segunda-feira, 5 de julho de 2010

Legião

Tudo ao seu tempo. Ser mais um ao seu tempo.

Quis ter sempre a sorte de encontrar no bolso direito seu walkman ligado justo no dia em que ela acordasse com o pé direito, e que os segundos chatos que leva pra desembaraçar os fones – horas ao fim da vida – servissem para o acaso, quase sem querer, segurar o trecho certo da até então música errada. Tem, e tem há tempos. Antes mesmo de um dia poder querer. Precisa descobrir logo por onde é que anda a mãe, os abraços cheios de lágrimas e quase sem ar que até hoje me faziam mais falta do que pensava; que me faziam ser muito de quem eu não precisava saber nem o nome. Se pudesse eu sofria tudo por você meu filho, se eu pudesse tudo seria diferente, diriam seus dedos na minha cabeça enquanto ouvia as palavras de sua boca fechada de sorrisos. Hoje tem.

Velho assim, homem feito do que ainda não sabe, sente a dor dos outros sendo maior do que seu silêncio, e assim dói por só saber ficar quieto. Nada contra a correnteza, vê o que ninguém sente, e quando pensa em tentar, enche a boca do que tiver no copo mais próximo. Queria que tivessem a força que precisam pra agüentar o que vão ver, mas acha que já não dá, que já não querem. Uma mãe que lembra, um irmão que diz, e um pai que machuca e repete pela falta que sente. É assim, e todo mundo dorme de cansado de tentar.

Embalado no solo de um teatro qualquer, nos primeiros segundos de uma peça onde quatro atuam para apenas um na platéia, sente a obrigação competindo com a vontade de continuar fazendo valer o ingresso; se vale a pena escrever a crítica do que talvez tenha aplausos de apenas duas mãos. E por mais que batam à porta da casa querendo entrar, querendo ocupar os acentos vazios dentro do próprio único espectador, vê o cadeado e não acha a chave. Por fim, escreve.

Todo mundo está extremamente certo, e sorri por pensar que o aperto no peito que sente é realmente de verdade. De tanto não haver errado, começa a achar que certo mesmo é quando tudo não dá certo, e não dar certo é aquilo que nos é demais sem ser o bastante. Vai ficar assim, tendo medo de ter estragado a única coisa realmente boa que fez na vida. Perceber não lhe faz melhor que ninguém, e ninguém é exatamente tudo que ele inveja, tudo que tem vontade de ser enquanto tira a colcha da cama e arruma seus travesseiros.


O Teatro dos Vampiros - Legião Urbana