Tentamos mudar de bairro, acampar no quintal do seu tio distante que tem um sítio no interior, e até passar umas semanas em estados de nomes engraçados se repetidos mais de seis vezes nas madrugadas de sextas feiras. Por fim, apertar firme aquela mão menor junto à minha era fazer a reza valer o dobro, tirar proveito de estar no céu e gritar no ouvido de Deus que eu tinha feito tudo que podia; que se o avião resolvesse cair sem avisar ninguém eu pagaria meus pensamentos ainda não cometidos sem me queixar dos juros. Eu não ia sentir nada, e estava tão acostumado com isso tudo que tinha me convencido de que ninguém já podia, ninguém queria sentir coisa alguma que não os erros que tiravam o erro maior do centro da história. Meio segundo de susto para a tão desejada tranqüilidade.
Não caiu.
Às vezes penso que tivemos tudo que desejamos, e às vezes, tudo que fomos precisando de forma precisa pra retardar o que nos persegue até mesmo de dentro do avião. Eu não lembro qual é o nosso destino, e checo as passagens de turbulência em turbulência pra saber se ali, num canto escondido, bem ao lado daqueles códigos de barra que não me dizem nada, vai escrito onde é que fomos parar; que caminho foi este que os acasos decidiram tomar sem deixar conta de luz rabiscada na minha geladeira, sem avisar que na primeira parada um de nós dois ia ser dar conta que um de nós dois já não estava lá fazia muito tempo. Por fim, fecho a bolsa que dei de presente por alguma data especial, e enquanto vou me lembrando que não me lembro de ainda termos algum dia assim, senta ao meu lado e sorri, por um segundo, o mesmo sorriso sem graça que serve como recibo de garantia para a tv que fica fora da tomada no canto da nossa sala espaçosa.
É que sempre vivi em função do ontem por não saber se iria funcionar quando o sussurro manso do meu celular me acordasse no outro dia. Assim fui deixando passar meu agora pra aproveitar, com esse meu jeito sentado e de copo pela metade, tudo que deixei de lado até então. Simplesmente não agüento nada, e acho até engraçada essa imagem que fiz de mim pra conquistar o primeiro amor da minha vida durante nove anos e dois filhos. Se fosse jovem e soubesse que os bons máles da vida não me comprometeriam em nada, iria abrir mão de aprender a viver como um, de costurar sob confissões e dias de sol alguns sonhos sonhados apenas para serem desculpas que me convencem a ir dormir.
Enquanto o avião pousa, percebo que, de fato, nossa vida talvez nunca tenha decolado. Criamos os momentos especiais, ajustamos o foco do nosso destino, e nos restava apenas administrar os poucos nuances que deixamos a vida nos dar. Uma vida cheia de mentiras, mas que nem por isso deixou de ser de verdade, e que nem por isso deixou de ser sincera. Mentiras sinceras. De fato, a espera pra sair desse charuto com asas é infinitamente menor do que as horas de reconciliação que não serão mais que minutos. Vou acabando tudo antes da hora simplesmente por não conseguir separar o que os anos foram agregando, e agora, sem mais nem menos, me vejo em um aeroporto segurando uma mão pequena junto à minha tão estranha quanto a da minha esposa, que rindo, acha que eu estou fazendo graça. Rio, mas a graça fica com ela, assim como boa parte dos nossos bens ficarão poucos meses depois.
Sentirei falta dela mais do que sentirei falta de mim se for permitido pensar enquanto morto, e vou esperar que entenda como consigo te amar mais longe de mim do que ao meu lado. No meio tempo, vou sendo só saudades, tendo só saudades de quando minhas metas de 15 anos não eram nada mais que desejos de 15 minutos, que da mesma forma que vinham como sonhos de festim, iam embora trocados por coisas que eu já nem me lembro mais.
Ári.