Assim pelo menos a cerveja não esquenta, ainda que ser quente ou não nunca ter sido um problema pra mim. Largar o corpo no chão, sentar na areia como se a resistência do ar estivesse de greve por alguns segundos devido a salários pendentes. É gente que passa correndo, e o mar; menino que faz xixi agachado, e o mar; é eu indo embora no meu carro e o mar. Essa minha mania de ver continuidade em tudo, que literalmente me faz levantar e caminhar pela beirada do que parece infinito, talvez seja mais eu do que imagino ser entre pegadas e goles. Não fumo!, e faço questão de pensar isso alto de um jeito que o Cristiano consiga assimilar em um dos seus vários sonhos malucos. Estou aqui, quase que um personagem de Vento no Litoral sem nada pra procurar no risco cinza e gelado que tremula lá pro fundo. O bom de não conhecer ninguém é ter a obrigação de admitir que o cara que caminha, de fones no ouvido e mão esquerda no bolso, pode ser tão estranho como o próprio espelho.
Não sei em que prédio você passa as férias, mas não é tão rica pra receber o bom dia do dia de frente pro mar. Iria ser legal, e passaria duas vezes em frente tua simplicidade imponente deitada na areia pra ter certeza que nos vimos, e assim poder fazer valer nosso teatro nato de fingir a trama. Seriam horas ímpares e minutos pares, tempo suficiente pra ganhar confiança, pra perder o pudor, pra admitir que nada daquilo tinha sido um projeto elaborado do acaso, financiado pelos fundos inesgotáveis do destino; tinha sido de propósito, tinha sido o empurrão para a vontade de descer a serra com meus pneus novos e freios gastos.
Queria tanto um lugar que não conhecesse ninguém, e me pego andando como se estivesse sendo visto de longe e com surpresa por aqueles olhos. Sou tão desorganizado que vou precisar de uma secretária para as datas, e de um psicólogo para ordenar os dilemas. Saí de perto pra tentar resolver o que fica claro só de longe, mas aqui de perto de mim sinto falta do que é longe de tudo. Sendo assim, é apoiar os braços no joelho e ser o rei do cinza de cima daquela pedra; sendo assim, triste assim, não me pergunto por que só assim me acho, porque só assim entendo que apenas longe consigo trazer tudo bem pra perto daqui de dentro.
Esse é meu lugar.
Entro no carro, preciso dormir as horas que restam da tarde pra deixar a tranquilidade ir embora trazendo tudo de volta ao normal. Já sinto saudade de tudo, sinto saudade de como sinto saudade de como sou eu por aqui; mas não sei de outro jeito, e reclinando o banco vou sendo testemunha do último ato rebelde da gravidade. Eu sei o que está acontecendo, e pela primeira vez, não sei o que vai vir. Só quero voltar pra perto de tudo, voltar pra longe de mim, já que lá não sei ser eu e vice versa.
‘’Que cor terão seus olhos
e a luz do seu cabelo.’’