Se ele dissesse que a todo instante ela lhe bastava, era mentira. Na verdade, ela nunca lhe bastava por ele não saber ao certo quais eram seus próprios gostos e pretensões. Gostava das mesmas coisas que todo mundo, pensava da mesma forma que muita gente, preferia certas cores a outras, como outras pessoas já preferiram antes; resumindo, ele era uma mistura que já existia das coisas já antes vistas. Mas mesmo que depois dela a sua caminhada tenha sido mantida sobre um chão incerto, ele já não quer muita coisa a não ser sorrir e ser leve.
Ele só não consegue imaginar lágrimas rolando pelo rosto dela; não passa pela sua cabeça ver aquele sorriso de olhos escancarados, sem sentir um arrepio leve nos braços; não consegue ouvir sua voz sem aquele jeito único dela de falar as verdades que um mundo inteiro nunca soube, ou simplesmente quis esquecer, por não ser digno de tanta beleza. Ele nunca vai deixar de acreditar que o queixo dela só é reto para se encaixar em seu peito, enquanto aqueles olhos brincam de serem holofotes que guiam seus pensamentos; não quer ver os imperfeitos perfeitos caninos que ela tem, já que só os deseja puxando seus lábios pra perto daquela infinidade de paz e desejo; não quer fechar os olhos quando o corpo dela está grudado ao seu, só para poder melhor decorar os segredos daquele rosto simples de anjo. Ele não quer deixar de passar por todos os péssimos segundos que a vida lhe deu, só pra conhecer mais rápido o motivo do silêncio que lhe vinha sorrateiro.
Depois disso, que quando fechasse os olhos desde então, pudesse, nem que fosse por apenas um momento, ver aquele corpo meio vestido e meio lindo; que tivesse a chance de levantar seus olhos da coisa mais pura em forma de beleza, e parar naquela rainha, coroada com seus próprios cabelos num infinito sorriso de sinceridade. Que sem mais nem menos ela saísse do cheiro do seu travesseiro e colocasse sua cabeça cheia de problemas em seu ventre branco e calmo, para lhe fazer dormir com o conto mais lindo da quietude, embalado pelos toques daquele pequeno coração.
E assim ele sabe menos do que antes o que lhe basta, o que lhe é exagero. Deseja mesmo que tudo que venha dela não seja o suficiente, mas sim excesso de pureza que apenas uma perfeição não pode suprir. Que se por ventura qualquer coisa pesar, a leveza que seu coração passou a sentir depois dela sobre para equilibrar as coisas. Aí então, quando sentar de frente pra qualquer coisa e não pensar em nada, o que desejará é o próprio corpo de braços colados e peito no chão, sentindo sobre suas costas e ouvindo em sussurros no ouvido a respiração que lhe acalma, e a metade que agora não falta mais.
Obrigado ano velho!