Aceito o teu rótulo. Essa carapuça que tu me fez sobre medida antes mesmo que eu aprovasse, que eu provasse uma vez que fosse. Também não reclamei. Nunca fui de perder tempo com as coisas que realmente valiam a pena, então quieto não ergui nem os olhos. Fui eu mais do que você se foi, mais do que você se indo embora pela porta com a preguiça de domingo de manhã. O estranho é que sinto menos você do que tua falta, e você me falta mais do que vai dando pra sentir. A questão nunca foi saber quando e nem como seria, e sim, como diabos foi tudo isso; que diabos é tudo isso que de mal não tem a cara, que de leve não tem o carinho, que de mim só teve teu jeito.
O que vi todo esse tempo não é você, nunca haverá dia em que verei você nesses teus sorrisos de moldura vermelha. Você me foi o que quis que fosse, e digo com a certeza de ver nisso mais verdade pra você do que pra qualquer outro. Pra mim tanto faz, me importo mesmo com o que não vale nada. Brigo mesmo por você ter deixado a pasta aberta, e não por não mais me acordar de madrugada com teu beijo de hortelã, com teu beijo de lã que me acordava sem me tirar do sonho. Acabou sendo você tanto tempo, que acabar tudo com outra que não lhe fosse seria injusto.
Eu e todas essas minhas merdas estranhas, da mesma forma que ouvi um dia que a lua não ficava maior. Podia se alternar entre cheia e minguante, por vezes até apagar as luzes do céu pra evitar um racionamento espacial, mas é sempre do mesmo tamanho; o que muda são os pontos de referência: às vezes o prédio vizinho com todas as luzes acesas, às vezes o céu com o quintal de estrelas quase sem bateria, às vezes as vezes que tive certeza que teu primeiro sorriso me foi por pena. Meu auge.
Aqui, de pernas pra cima no sofá em que você ficava por cima, sento em todos os cantos das salas de nossas lembranças. Reparo em cada livro que foi ficando aberto, em cada lua amarela de doente que deixei esperando na janela das tuas flores. O vão da tua coluna, a sombra do meu eu olhando estagnado pro nosso amor, usando o filme das minhas lembranças pra fotografar teus antebraços nos meus ombros. Foi tanta coisa, tanto nós que só um sei que não fomos. Talvez por isso você tenha ido e ainda fica, eu ainda fique mesmo sem saber onde.
Arrasto duas cadeiras, arrumo a casa mais uma vez e vou esperando até agora. Um dia alguém vai chegar pro meu cachorro latir, pra eu oferecer alguma coisa e dizer que não deu mais por ninguém ter culpa de nada. E se você é minha mentira, é por ter sido verdade demais. Teu cabelo bonito, teu andar de braços cruzados cheio daquele silêncio que foi só teu; foi de verdade a minha verdade, a minha vontade da tua vontade, a minha vontade de ser tua vontade.
Pois é, não deu. Agora o canto do tapete é solteiro do seu sapato, os copos da cozinha são sozinhos dos teus pensamentos. Agora tudo por aqui é um, é um completo. Tudo por aqui é uma completa metade dos teus traços, do teu jeito de dobrar o guardanapo usado depois dos jantares de comida comprada. Tua falta sente tua falta, teu espaço já não tem espaço pra saudade. Agora é tudo assim, agora é o hoje cheio de vontade do ontem.
Apenas o Fim - Matheus Souza