terça-feira, 27 de julho de 2010

Unilateral

Ficava parada, como se no ar, como se aquilo fosse a ponta de todos os sonhos que roubava de mim. Podia ser apenas imóvel, como se no chão, como se fosse quem roubava o sono de todos os meus sonhos que só sabem chegar acompanhados do orgulhoso toque do despertador. Da tua mão esquerda fiz meu anjo inexperiente, fiz meu acaso sem relógio, fiz meu riso amarelado. Fiz tanto que acabei sendo o ser humano que mais fez, mesmo sem ter feito absolutamente nada além de deixá-la acreditar nas coisas que por fim serão verdades universais.

Acordo cedo, tão cedo que esperança quase não há de ver seu cabelo arrumado pela noite me sorrindo aí do alto, me pegando com a mesma cara de surpreso que faria ao ver quadrados rolando de rir de esferas imóveis nas descidas curvas dos meus pensamentos. Voltaria por inteiro para tua metade, ou pela metade pro seu eu hoje mais completo; sentava na rua da tua janela e lembrava do teu charme no meio fio, desse teu abraço no banheiro cheio de ódio no sorriso.

Eu ainda me lembrava de te lembrar, me lembrava dos seus presentes sem sentido e fora de hora. Por fim, na carteira só o isqueiro, na garrafa só a tampa dobrada, na tua saudade a concha que te deixa por aqui, mesmo que não saiba. Se tudo é diferente, te fiz igual aos anjos pra poder não ser o mesmo de tudo que ainda virá; me fiz único para ser o protegido dos teus olhos castanhos de unhas pretas.

E você ainda se lembrava de me lembrar, me lembrava da vontade de deitar aí de baixo mais uma vez. Só mais um pouco antes de eu ter que ir lavar a louça do almoço, antes de abrir a porta e te ver no sofá mais uma vez.


‘’Digo que sempre estou com você,
super natural. ’’

Chave de Ouro - Primos da Cida

sábado, 17 de julho de 2010

Descanso

Assim pelo menos a cerveja não esquenta, ainda que ser quente ou não nunca ter sido um problema pra mim. Largar o corpo no chão, sentar na areia como se a resistência do ar estivesse de greve por alguns segundos devido a salários pendentes. É gente que passa correndo, e o mar; menino que faz xixi agachado, e o mar; é eu indo embora no meu carro e o mar. Essa minha mania de ver continuidade em tudo, que literalmente me faz levantar e caminhar pela beirada do que parece infinito, talvez seja mais eu do que imagino ser entre pegadas e goles. Não fumo!, e faço questão de pensar isso alto de um jeito que o Cristiano consiga assimilar em um dos seus vários sonhos malucos. Estou aqui, quase que um personagem de Vento no Litoral sem nada pra procurar no risco cinza e gelado que tremula lá pro fundo. O bom de não conhecer ninguém é ter a obrigação de admitir que o cara que caminha, de fones no ouvido e mão esquerda no bolso, pode ser tão estranho como o próprio espelho.

Não sei em que prédio você passa as férias, mas não é tão rica pra receber o bom dia do dia de frente pro mar. Iria ser legal, e passaria duas vezes em frente tua simplicidade imponente deitada na areia pra ter certeza que nos vimos, e assim poder fazer valer nosso teatro nato de fingir a trama. Seriam horas ímpares e minutos pares, tempo suficiente pra ganhar confiança, pra perder o pudor, pra admitir que nada daquilo tinha sido um projeto elaborado do acaso, financiado pelos fundos inesgotáveis do destino; tinha sido de propósito, tinha sido o empurrão para a vontade de descer a serra com meus pneus novos e freios gastos.

Queria tanto um lugar que não conhecesse ninguém, e me pego andando como se estivesse sendo visto de longe e com surpresa por aqueles olhos. Sou tão desorganizado que vou precisar de uma secretária para as datas, e de um psicólogo para ordenar os dilemas. Saí de perto pra tentar resolver o que fica claro só de longe, mas aqui de perto de mim sinto falta do que é longe de tudo. Sendo assim, é apoiar os braços no joelho e ser o rei do cinza de cima daquela pedra; sendo assim, triste assim, não me pergunto por que só assim me acho, porque só assim entendo que apenas longe consigo trazer tudo bem pra perto daqui de dentro.

Esse é meu lugar.

Entro no carro, preciso dormir as horas que restam da tarde pra deixar a tranquilidade ir embora trazendo tudo de volta ao normal. Já sinto saudade de tudo, sinto saudade de como sinto saudade de como sou eu por aqui; mas não sei de outro jeito, e reclinando o banco vou sendo testemunha do último ato rebelde da gravidade. Eu sei o que está acontecendo, e pela primeira vez, não sei o que vai vir. Só quero voltar pra perto de tudo, voltar pra longe de mim, já que lá não sei ser eu e vice versa.


‘’Que cor terão seus olhos

e a luz do seu cabelo.’’

Relicário - Nando Reis e Os Infernais

domingo, 11 de julho de 2010

Luminosa

Queria que você não mudasse por nada. Que o teu jeito de ler não te desse arrepios, que a forma como brinco de ser brincado por você não conseguisse mudar todos os pormenores que desenham seu amanhã. Ser inútil, ser vital e sem utilidade nenhuma em te fazer mais ou menos dessas dúvidas, que mais do que qualquer coisa, lhe são. É que deitado assim no seu colo eu consigo ser a mesma pessoa que discute no estacionamento, que abre a cerveja de má vontade na frente dos amigos, que se pergunta por que diabos você faz tudo que me pede pra não fazer; é que deitado assim no seu colo eu consigo ser você, consigo sentir minha cabeça em teus dedos, o seu sorriso no meu olhar, o teu corpo pelos meus beijos. Se mais nada existisse, faria questão de deixar o mundo completamente vazio.

Quero menos do que vejo, e se quisesse mais, com certeza não me contentaria com o que só ouso chamar de pouco. Um dia você me mostrou um eu que até hoje não sei onde mora, e que do telefone mal sei a operadora. Sei que te vejo achando-o cada vez que entro sem jeito pela porta da sua casa, toda vez que levanto sem jeito do chão da sua sala pra sentar ao lado do teu perfume, toda vez que me sente desse teu jeito sem saber que não sei se sou o nome que sussurra em meu ouvido. É que já faz tanto tempo que não dá mais tempo de mudar, e por vezes não lembro com que pernas eu andava por esse caminho sem sentido.

Por já sermos, não queria me preocupar com validade nem com regras de bom uso. Só nos faltou inventar um manual de instruções que me guiasse por entre as peças das tuas roupas, todas as vezes que te querer ao meu lado foi o gêmeo dois segundos mais velho do não te querer mais. Preciso, e vou precisando tanto que por vezes a vontade consome todo meu desejo. E de você não sobra nada, e de você nunca houve tanta coisa. Nessas horas eu te faço tão relativa que já não sei mais quem é quem, quem é o quê; mas ainda assim me surpreendo com as coisas que já passaram da hora de acontecer.

Agora sei que concorda, sei que sorri quando olha pra sua tv vazia e vê que mais do que ser mais, eu sou muito menos do que dizia ser. Tanto quis não ter nada, que agora sinto falta de ter algo pra não querer. Só não fique assim, digo pra mim mesmo quando literalmente vejo os sonhos que nunca tive perdendo a chance de se tornarem meras ilusões; pela primeira vez, e apertando as mãos ecoaria essa certeza cá dentro até que você acorde desse teu sono sereno de leveza.

Nunca foi nada, nunca foi ninguém, e na verdade ainda não é nada e continua sem ser ninguém. Só sei do meu amanhã, que é tão agora como todo o nosso passado.


Me beija?

Beija-me!

Te quero assim, desse jeito.

Quero-te assim, e hoje não!

Faz-me rir, querida.

Pelo menos uma certa, né?

...

Te amo, cara.

Eu também.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Legião

Tudo ao seu tempo. Ser mais um ao seu tempo.

Quis ter sempre a sorte de encontrar no bolso direito seu walkman ligado justo no dia em que ela acordasse com o pé direito, e que os segundos chatos que leva pra desembaraçar os fones – horas ao fim da vida – servissem para o acaso, quase sem querer, segurar o trecho certo da até então música errada. Tem, e tem há tempos. Antes mesmo de um dia poder querer. Precisa descobrir logo por onde é que anda a mãe, os abraços cheios de lágrimas e quase sem ar que até hoje me faziam mais falta do que pensava; que me faziam ser muito de quem eu não precisava saber nem o nome. Se pudesse eu sofria tudo por você meu filho, se eu pudesse tudo seria diferente, diriam seus dedos na minha cabeça enquanto ouvia as palavras de sua boca fechada de sorrisos. Hoje tem.

Velho assim, homem feito do que ainda não sabe, sente a dor dos outros sendo maior do que seu silêncio, e assim dói por só saber ficar quieto. Nada contra a correnteza, vê o que ninguém sente, e quando pensa em tentar, enche a boca do que tiver no copo mais próximo. Queria que tivessem a força que precisam pra agüentar o que vão ver, mas acha que já não dá, que já não querem. Uma mãe que lembra, um irmão que diz, e um pai que machuca e repete pela falta que sente. É assim, e todo mundo dorme de cansado de tentar.

Embalado no solo de um teatro qualquer, nos primeiros segundos de uma peça onde quatro atuam para apenas um na platéia, sente a obrigação competindo com a vontade de continuar fazendo valer o ingresso; se vale a pena escrever a crítica do que talvez tenha aplausos de apenas duas mãos. E por mais que batam à porta da casa querendo entrar, querendo ocupar os acentos vazios dentro do próprio único espectador, vê o cadeado e não acha a chave. Por fim, escreve.

Todo mundo está extremamente certo, e sorri por pensar que o aperto no peito que sente é realmente de verdade. De tanto não haver errado, começa a achar que certo mesmo é quando tudo não dá certo, e não dar certo é aquilo que nos é demais sem ser o bastante. Vai ficar assim, tendo medo de ter estragado a única coisa realmente boa que fez na vida. Perceber não lhe faz melhor que ninguém, e ninguém é exatamente tudo que ele inveja, tudo que tem vontade de ser enquanto tira a colcha da cama e arruma seus travesseiros.


O Teatro dos Vampiros - Legião Urbana