Não sabe o que é isso que chega de madrugada. Fazia tempo que não vinha, e já achava que tinha ido embora de uma vez por todas; estava tão seguro de si que nem mesmo ligava a televisão, apenas deitava de peito nu e costas descobertas na cama que, depois dela, ficou sendo só metade. De qualquer forma, este bom filho a casa voltou, e o braço esquerdo dormente com um peito indeciso é outra vez o sinal de chegada e saudade.
É como se de repente o seu braço ficasse gelado e doesse de um lado avesso sem contrário, e acha mesmo que esta dor possa ser o preço implícito do desatar de nós que seus dedos recebem de repente. Ele não tem o direito de reclamar, e não reclama; se quiser pode até sorrir ou fazer cena, mas de um jeito diferente daqueles outros em que fez a mesma coisa, apenas cala. Só sei que sabe que assim calado como a música, arrepia; e arrepia sem ousar piar como os pássaros as escolhas que já estavam feitas e as dúvidas que agora dormiram. Na verdade prefere nem falar das dúvidas pra que o sono baixo não se desmanche, e para assim ir percebendo que não falar mais pra outros olhos fará tudo adormecer sem dor maior.
Fica com sede e tem vontade de ter sono, e se sente tão desperto que a idéia de ver a noite clarear é quase que certeza. Quer falar daqueles olhos que sorriam, mas o braço esquerdo começa realmente a incomodar. Parou de fumar, então se dá conta que, além de tudo, a fumaça gastava seu tempo de um jeito mais digno e prazeroso. Pensa que o que fica das coisas que deixou é mesmo o confronto entre teclas e dedos, e acha engraçado ver essa briga quase que silenciosa gerar tantas linhas lentas e honestas.
Ainda tem certeza que aqueles outros olhos não acertaram na previsão, mas sabe que eles o entendem mais uma vez.
O que lhe sobra disso tudo? Nada. Tudo se bastou para ele, e pensar assim é prova da existência daquele seu egoísmo, que mesmo disfarçado de carne e osso, é feito de atitudes concretas. O diferente é que com ela não há dúvidas, e todo aquele pouco que insiste em não ser certo corre quando ele encara os olhos que transbordam nos dele. Se ela soubesse que às vezes em que ele a chama de linda são verdadeiras, ficaria tão surpresa quanto ele ao se sentir perdido em mais um labirinto daquele rosto de anjo. Você o basta Pequena, e ser pessoal dessa forma em seu projeto que não deveria ter nome nem jeito, só não é mais certo que a vontade de ter-te com a cabeça deitada em seu peito por mais muito tempo.
E assim, ele sorri no quarto cheio de noite clara. O braço ainda incomoda, mas o peito já quase se acalma. Só lhe chateia a idéia de dormir menos e não poder vê-la por tanto tempo correndo em seus sonhos. Queria mesmo um dia poder lembrar-se de cada passo, de cada som de risada que ela deixa enquanto se esconde onde o impossível é a atração menos visitada. E de novo, assim ter certeza que acordou sorrindo não pelo o que são, mas sim pelo o que foram enquanto os olhos apenas fingiam dormir.