quinta-feira, 6 de março de 2014

carnaval

As ruas daqui já ensaiam o ritmo costumeiro de uma quarta-feira. Pelos poucos vidros que me deixam, os motoristas estacam aos semáforos lentos com olhos que ainda não chegaram. Falta pressa e a fila da lotérica dobra o portão numa espera refém, num ócio cândido. Talvez as contas deixem os juros pra depois, e parece mesmo que essa semana não tem loteria, que a fé é calma e acalenta os ouvidos de Deus numa ausência anormal de preces. Deus e suas vestes e cabelos e barbas recostadas na cadeira de nuvens e sonhos. Descansa, meu Deus; o time das crianças ainda vai incompleto e elas chutam ao gol vazio sem êxtase, sem fantasiar a torcida aflita pelo tiro certeiro no final do jogo, a consagração antes que calcem os chinelos pra subir ao banho, ao jantar de olhos na televisão até que chegue a hora de encarar a noite que nunca passa pra tanto chegar. A gente só quer correr, chutar bola embaixo da chuva mesmo e brincar de rir num tanto de doer a barriga pelo carnaval que não volta.

Trouxe de volta na mochila uma saudade que não coube. Amassei camisas e o zíper não cerrou o peito agora meio aberto. Por entre os dedos a areia da praia se esconde, os lábios salgados de mar racham aquilo que digo e sorrio. Até as nuvens daqui sorriem. Reconheço uma ou outra pelo nosso céu sendo também a do nascer do sol de lá, incandescente como se com vergonha dos pela praia sentados, estáticos ao rosto amassado da noite que desperta lenta. São elas aqui de um branco vazio pelo flutuar manso, num quê de saudade de morena sentada pela orla em coluna reta e silêncio torto, dedos acalentando a areia fina que se esconde doce entre unhas feitas e simples. Passam as nuvens, brancas e morenas.

O confete acaba no dia que amanhece e já ninguém diz nada. Fica a multidão estacada à areia frente a um mar sagrado e intocável pela consciência de nossa própria pequenez: ninguém caminha pelo tapete de espuma. A gente se ordena em silêncio mesmo, um a um batendo os chinelos e voltando pra casa e pra mala por arrumar, pra uma última xícara de café que o carnaval fumega em despedida. Pelo caminho de volta a estrada é riscada de faixas e saudades. Penso mesmo se os traços intermitentes não são histórias por terminar, madrugadas acesas que hoje já vão miúdas de tempo demais atrás. O novo esmaga sem pedir muita licença enquanto os carros passam sem vontade.

Ficam os bocejos de boca fechada, a ilusão dos ouvidos inundados de barulho de mar.

"mais que nunca é preciso cantar,
é preciso cantar e alegrar a cidade"

Toquinho & Vinícius - Marcha da Quarta-Feira de Cinzas