quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Ei! morena, veja só


Achei até que chegaria atrasado. Tinha me planejado, considerado os atrasos no trânsito e a elegância na falta de pontualidade que sempre me foi difícil manejar. Nunca soube esperar por nada ou por quem quer que fosse, e assim me dediquei desde cedo a aprender cada umas das horas do dia sem precisar ler os ponteiros, sem precisar de nada a não ser sempre saber tudo isso que aprendi. Sentia ser uma hora, percebia ter passado das três, enquanto das dez tinha apenas a saudade das tuas histórias, que assim chegava e me deitava à cama quase como um carinho de pai cansado. Por isso tentei tornar suportáveis todos os atrasos que enfrentei durante minha vida. De mãos nos bolsos ou de pernas cruzadas, esperava sem saber esperar. Sentia inútil todo o tempo que perdia me perguntando por que diabos eu não ia embora de uma vez. Podia muito bem deixar recado com o garçom, que de olhos congelados e flanela na mão limparia a mesa que a pouco foi de um homem que saiu deixando gorjeta, dizendo que um compromisso não o deixara esperar, e que sim, ligaria mais tarde para remarcar aquelas histórias da viagem. Esperei. Sempre esperei.

Pra espera também nunca achei remédio. Com o cardápio sob a mão direita, olho o relógio que comprei por parecer um daqueles herdados de pais que herdaram de pais. Lembro dos cafés e dos triângulos de guardanapo que tentaram me distrair, que tentavam me fazer, por um desses instantes atrevidos, não perceber os tons que as paredes ganhariam quando as portas atrás de mim você desbravasse, tirando os óculos na certeza de que aquele de costas era eu, sentado assim por não precisar dos olhos, não precisar sequer olhar de canto pra saber a força do teu sorriso na minha nuca de semblante sério, tão preocupada por te sentir os passos mais rápidos do que normalmente imaginava. Volto. Sempre volto e tento saber quanto tempo duram esses devaneios perdidos e destinados, e percebo a vida como troca eterna de olhares perdidos, de assim lançados ao acaso como palavras que se jogam atrás de ouvidos bem dispostos. Acabo. Suspiro. Espero.

Faço força pra lembrar de algum sonho. Esse costume sempre me pega os olhos emprestados. Tudo para que algumas poucas e estranhas histórias possam ser revistas por quem na verdade de nada lembra, e que acha que sente saber só a curiosidade que fica sempre um pouco mais menina quando a história perde o sentido e o final, interrompida de olhos abertos e com alguma coisa por ser vista. De qualquer que seja a forma, lá está você!, de cabelo quase curto, de óculos quase perfeitos, com esse sorriso quase tão familiar. Sensação de que tudo fora combinado. Dia e lugar. Roupa e caminho. É verdade que se tivesse sido feito pelo menos o rascunho desses teus olhos extraordinários, sempre tão extraordinários que por um pouco não perdem a graça, de alguma forma acredito que não iriam me parecer tanto assim. São essas coisas que a surpresa da primeira vez sempre aumenta. Depois seria só mais um olhar extraordinário, entre os tantos que por aí agraciam as coisas com um simples segundo de atenção, e que depois não servem pra mais nada que não existirem pra sempre pra quem fecha os olhos.

Volto. De nada serve. Olho o relógio mesmo por hábito, sabendo que não é possível ter ao certo quanto tempo passei longe dos meus olhos,  sonhando com tudo que imagino serem teus olhos que tanto tem pra me contar. Acabo indo sem saber que tão bem te sei esperar, que tão bem soube chegar até aqui. Abro a porta. O silêncio deixa de ser som e fica mudo já mesmo na calçada. Ir e esperar. Acabo mesmo por ir ficando assim.