domingo, 29 de agosto de 2010

Ansiedade

Aceito o teu rótulo. Essa carapuça que tu me fez sobre medida antes mesmo que eu aprovasse, que eu provasse uma vez que fosse. Também não reclamei. Nunca fui de perder tempo com as coisas que realmente valiam a pena, então quieto não ergui nem os olhos. Fui eu mais do que você se foi, mais do que você se indo embora pela porta com a preguiça de domingo de manhã. O estranho é que sinto menos você do que tua falta, e você me falta mais do que vai dando pra sentir. A questão nunca foi saber quando e nem como seria, e sim, como diabos foi tudo isso; que diabos é tudo isso que de mal não tem a cara, que de leve não tem o carinho, que de mim só teve teu jeito.

O que vi todo esse tempo não é você, nunca haverá dia em que verei você nesses teus sorrisos de moldura vermelha. Você me foi o que quis que fosse, e digo com a certeza de ver nisso mais verdade pra você do que pra qualquer outro. Pra mim tanto faz, me importo mesmo com o que não vale nada. Brigo mesmo por você ter deixado a pasta aberta, e não por não mais me acordar de madrugada com teu beijo de hortelã, com teu beijo de lã que me acordava sem me tirar do sonho. Acabou sendo você tanto tempo, que acabar tudo com outra que não lhe fosse seria injusto.

Eu e todas essas minhas merdas estranhas, da mesma forma que ouvi um dia que a lua não ficava maior. Podia se alternar entre cheia e minguante, por vezes até apagar as luzes do céu pra evitar um racionamento espacial, mas é sempre do mesmo tamanho; o que muda são os pontos de referência: às vezes o prédio vizinho com todas as luzes acesas, às vezes o céu com o quintal de estrelas quase sem bateria, às vezes as vezes que tive certeza que teu primeiro sorriso me foi por pena. Meu auge.

Aqui, de pernas pra cima no sofá em que você ficava por cima, sento em todos os cantos das salas de nossas lembranças. Reparo em cada livro que foi ficando aberto, em cada lua amarela de doente que deixei esperando na janela das tuas flores. O vão da tua coluna, a sombra do meu eu olhando estagnado pro nosso amor, usando o filme das minhas lembranças pra fotografar teus antebraços nos meus ombros. Foi tanta coisa, tanto nós que só um sei que não fomos. Talvez por isso você tenha ido e ainda fica, eu ainda fique mesmo sem saber onde.

Arrasto duas cadeiras, arrumo a casa mais uma vez e vou esperando até agora. Um dia alguém vai chegar pro meu cachorro latir, pra eu oferecer alguma coisa e dizer que não deu mais por ninguém ter culpa de nada. E se você é minha mentira, é por ter sido verdade demais. Teu cabelo bonito, teu andar de braços cruzados cheio daquele silêncio que foi só teu; foi de verdade a minha verdade, a minha vontade da tua vontade, a minha vontade de ser tua vontade.

Pois é, não deu. Agora o canto do tapete é solteiro do seu sapato, os copos da cozinha são sozinhos dos teus pensamentos. Agora tudo por aqui é um, é um completo. Tudo por aqui é uma completa metade dos teus traços, do teu jeito de dobrar o guardanapo usado depois dos jantares de comida comprada. Tua falta sente tua falta, teu espaço já não tem espaço pra saudade. Agora é tudo assim, agora é o hoje cheio de vontade do ontem.


Apenas o Fim - Matheus Souza

domingo, 22 de agosto de 2010

Osório

Osório deve ter sido alguém muito importante. Se não fosse importante não perderiam tempo plantando todas estas árvores, deixando todos estes bancos perfeitamente alinhados pra quem quer que fosse se sentar por aqui. Por vezes penso as coisas de um jeito que não condizem com tudo que falo, mas paciência, já que Osório realmente foi alguém importante, foi alguém de guerra que não pensava em se tornar praça depois de morto. Ele nem devia pensar em nada disso. Talvez só quisesse passar o resto dos dias sentado em uma praça que tivesse algum nome que não Osório, ver todas as histórias diferentes que se tornam iguais por serem histórias de praça. Aliás, penso muito na possibilidade de todas estas histórias que acontecem por aqui terem esperado por aqui. De noite, principalmente nas noites de quase lua cheia, tanta coisa acontece nestas sombras apenas pra poderem acontecer de verdade em outro dia qualquer. É como se fosse uma espécie de ensaio, um ensaio sobre todos os improvisos que vou vendo pela armação das minhas lentes. Depois que acontece, acontece. Muitas vezes não existe nem sombra, nem reflexo que lembre. Acontece pra acontecer o depois, pra todo depois ter direito de ser agora, mesmo que ser agora seja mais rápido que o arrepio, seja mais rápido que aquele beijo que demora tanto pra acontecer.

Não sei se quem passa vai parar, se quem passa sabe onde é que vai parar. Acho graça em todos os olhos esperançosos de sexta feira, nas ruas vazias com ar de trabalho cumprido. Ninguém pensa na segunda, e por isso acho que a segunda é a única solteira dos sete dias da semana. Se fazem três casais quaisquer, mudam os dias sem mudar nada no tempo, e fica a segunda sempre pra segunda, completa consigo por não ser completa com ninguém. Assim ela vai, assim ela é. A segunda dos seis dias. Tem tanta gente com cara de segunda que nem se imagina, que eu nem imagino.

Quem fica aqui fica por querer estar em outro lugar, às vezes lá longe, às vezes tão perto que atravessa a barriga com o frio de Curitiba. É tanta coisa, tanto lugar, que praça vira tudo mesmo sendo só praça. Praça vira saudade, vira esperança do que não veio, vira esperança do que ainda não veio de novo. Árvore de praça fica perto lá de longe. Fica tão perto quanto sorriso de bobeira, sorriso de nariz colado atrás da casa da dona da casa. Maçã roída no chão vira maracujá, virão teus lábios de maracujá no tempo que os olhos conseguirem não piscar. Por fim, por pouco, por nada, por você. Cada um com seu você, cada eu com um pouco da luz desse teu sorriso maravilhoso.

Osório sabe. Você soube, sempre soube muito bem. Ainda não tenho nada pra dizer, e mesmo assim quero continuar falando pra tua atenção. Amanhã Osório dorme de dia, esquece de tudo pra não perceber saudade quando lembrar do teu cabelo diferente, da tua mão na outra na maciez da tua inocência.


Onde Vai Parar - Sabonetes

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Cru

Cru, tava meio mau passado do meu passado, ainda longe do ponto de ficar ao ponto do presente. Cheguei assim, fiquei chegando muito tempo ainda sem saber como chegar, e fui indo pra perto de mim de um jeito que nem de longe conseguiria ver; que nem lá de longe, que nem lá bem de perto do meu Deus eu iria reparar. Demorei pra me acostumar com teu nome, demorei pra me acostumar com o jeito que teu olho direito se faz esquerdo pra mim. Demorei do jeito mais rápido até então inventado, e de repente, não mais que o de repente de Vinicius de Moraes, me vi. Por inteiro, por inteiro problemático e sem nenhuma resolução, mas como um que sente, como um que é um qualquer assim como todo o resto do mundo tem o direito de ser um qualquer na sua exclusividade inabalável.

Eu sei que sim, e não precisa nem atravessar a travessa pra que eu vá sabendo cada noite um pouco mais. Vou virando as esquinas, aumentando meu volume pra esbarrar no botão da tua sintonia, e acompanhar de uma vez esse teu andar folgado; fazer do teu riso de mulher, que é acabamento para o que merece acabar de tantas formas que não esta, o fim das minhas frases longas e cheias de mãos no bolso. De diferente tem as diferenças que todas as outras têm, e faço do que sobra dos meus olhos o lápis que te desenha assim do meu lado de cá, de onde mais sei pensar do que dizer. Desse teu susto na porta do banheiro eu dou a risada que falta, dessa tua seriedade eu faço resposta, e assim me pergunto se tudo isso terá hora certa de ter a hora certa. Se não, vou me virando por aqui mesmo, vou me virando pra ver se do outro lado encontro o que me falta nesse você que sobra em todos os sentidos.

Mais do que passar como tudo, tu vai marcar como nunca; deixar aberta por um pra sempre relativamente grande a possibilidade de ser qualquer possibilidade qualquer. Se dos meus fins iguais tiro os começos diferentes, te pediria pra que voltasse pelas bandas de cá de noite, que levasse embora pros teus dias calmos de mansos os sonhos que me dormem cá de noite, que guardasse no teu guarda roupa de sorrisos sérios teus sorrisos sérios que me acordam cá de noite, que só me vivem cá de noite pra me fazerem sonhar pra lá dos dias. Não estranhe, não faça nada que não seja se arrepiar nos instantes que seus olhos ultrapassarem a velocidade da luz, e que finalmente você se dê conta que leu demais pra tempo que já não volta.

É, e que minha exclamação sozinha e tônica seja como um eco destinado a não ter irmãos gêmeos tardios e longínquos no abismo do teu silêncio.

Nas tuas mãos trêmulas penso tanta coisa, no rascunho do teu traço imagino o final de toda essa arte. É justo isto o mais bonito, e com toda a certeza deste mundo injusto, espero. Sabe? - te perguntaria uma hora qualquer, numa carona que se fizesse qualquer -, você acabou deixando tudo aqui pelo lados de cá. Quando quiser buscar, pode vir! - diria eu num dia qualquer, num copo qualquer cheio de todos os assuntos. Já leva tudo, tudo isso que é tão igual às vezes, tudo isso que me enche o saco de tanto personagem pra pouca história.

Não diria ele. Não diria.