Levanto os vidros ainda com a chave virada, de pensamento acelerado. Pego a camisa, fecho a porta e bato o alarme que ecoa. Mão na tranca, pé cravado no sapato. Ainda que imóvel, sinto minha vontade subindo tuas escadas, abrindo tua porta e indo embora antes mesmo que tu mudes de propaganda. Só sigo teus rastros pelos corredores, ó vontade, que acabam quase depois que chego ao andar daquele sorriso, quase depois que largo meus olhos ao chão, junto àqueles que antes voavam no meu olhar. Não importa o quanto eu corra, o quanto tropece: só acho teu rastro, ó, tal vontade, que não mais sabe me encontrar, me contar das coisas que vão ficando por tudo que não eu.
Ainda que queira que saibas que foi de verdade, que foi talvez a única coisa passada que ainda passa da minha cabeça, transcendente do meu silêncio, não cobro de ti certezas que de mim já não espero; e assim te olho toda semana, de diagonal daqui do fundo da minha vida, de baixo que se torna olhar o alto que tu tornaste-se. Isto pra que essas borboletas da minha barriga voltem de vez lá pra Macondo, pra que tu deboches sem se esquecer que ainda tens o mesmo riso, aquele mesmo que ouço de quando em vez, de olhar ignorado pelos teus olhos tão lindos que só são por ainda te serem.
Se me perguntas o porquê, se me de pedes razão por passos quase irracionais de tão certos, digo do meu sonho em acreditar que a cicatriz não é lembrança da dor, mas permissão em olhar teus tais olhos de mar bravo, que me arrastam de leve nas madrugadas, que me arrancam de ti qualquer que seja a ressaca do amanhã. Se pra sempre for de assim, a lembrança de tudo que foi único nas nossas várias singularidades, me pergunto qual é a razão de não me jogar de vez naquilo que nunca soube sair, desse você que não posso e nem quero deixar que abandone.
Só não quero perder, tornar tempo perdido todas as estrofes, todas as páginas que encarei como tradução do vazio que você de simples não sentia. O que ainda me encanta é esta sombra de entendimento, de luta contra tudo que parece ser teu vício, ser tua entrega degenerada e sincera. O que me move é esta inveja, curiosidade de descobrir de fato o teu silêncio, o destino dos teus olhares sinceros, dissimulados de tanto que os sei dos meus ensaios dessa tua saudade.
"Quase Sem Querer" - Legião Urbana