quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Desconstrução

O afago dos meus dedos na tua orelha, indo da minha mão até seu rosto que é destino, se escondendo dos teus olhos por de baixo das tuas roupas novas, finas. Não sei bem o que quero, não sei bem se sei o que fazer das tuas certezas, das tuas vontades sérias que sinto sérias, que sinto como preço pra ter o mesmo que te entrego não tendo nada. Na tua falta de mistério faço novo o caminho dos meus pés, que te levam onde penso ainda quando não sei em quem pensar. E mesmo que soubesse cada vez mais dos teus claros detalhes cor de manso olhar, que eu não ficasse sabendo cada vez mais as coisas que me rolam na cama, nada passaria além desses postes amarelos e doentes que entristecem as calçadas. Tudo assim nesse tom conformado, que não ilumina, que não dá brilho, que vai amarelando mais pro verde que pro cinza.

Foi embora não faz nem tempo. Não me importa a porta ter ficado aberta, o presente ter ficado pra quarta sendo que não ensinamos nossa segunda a inventar terça, nem ficamos sem roupa pra gravar outra mensagem pra nova secretária. Qualquer que pudesse ser o teu motivo sem razão, quis eu que o frio nas minhas costas sem lençol fosse sua sede de madrugada, que os saltos que saltam decididos fossem da vizinha que chega tarde e anda de leve por dentro de tudo que pesadelo, que sonho; que sonho é esse que chega cada vez que saio do travesseiro e volto pro teu peito, que se repete como primeiro dia de mês, como o céu vermelho no meu olhar que só sabe do teu olhar. Aí tu não me escuta, finge de repente que de mim não vive, como se fosse eu qualquer coisa que não você, e sai pro trabalho sem os lábios que deixa em migalhas nas migalhas que tu me torna de manhã, de tarde, de fim de tarde, de quando quer daqui o que te quer de onde quer que seja.

Assim aprendi teus sons. De olhos fechados ia decifrando teu silêncio, sentindo a cor do teu sutiã enquanto se molhava meio vestida, sempre atrasada no nosso relógio adiantado. Eu escutava tanto, sabia tanto que quando você abria a boca já não me dizia nada. Parecia que te saber assim te dispensava daqui, e minha cara de sonho ruim sempre me convencia mais do que te enganava. Penso nas mil palavras que dizem a mesma mentira de outros sons, nas mil gotas que molham e não enchem a garrafa na chuva, e chego aos mil dias que faltam pra que eu comemore mil dias sem que teus passos no corredor tragam sua bolsa jogada na mesa, teu rastro de roupa que vai da porta até meu corpo no sofá, que espera pela gente assim como nossa cama anseia vir antes da cozinha.

Ficam pra ti as coisas que viu, que ainda se lembra. Não faço força pra deixar de te deixar qualquer coisa, nem mesmo consigo pensar em nada que faríamos questão de ter que não um ao outro. Vou cruzar os dedos e torcer pra que você esqueça as palavras, como quem deixa os óculos limpos em cima do criado mudo. Mais que isso, que as arrume nessa tua ordem que deu sentido pra minha vida por tanto tempo, e que o lampejo de conferir tuas passagens pro fim de semana te faça esquecê-las por aqui. Vou fingir que não vi, levantar uns dias depois, e só quando todas já estiverem quase com um pouco de pó, pegarei teu recalque, teu sorriso, tua mágoa..., pra assim deixá-las em qualquer canto enquanto fica o superar por superar. Não coube a nós dois, e na verdade sobrou você. Faltou de mim, mesmo que sempre ao lado, separado. Se parado qualquer dia desses te encontrar, te pergunto se descobriu o que foi que houve. Com quem foi que houve aquela coisa de se importar?, que fim isso levou, que fim levou o teu fim de semana que não leva fim e que não me leva junto de jeito nenhum.

Faço força e não lembro mais de quase nada. Tô meio atrasado. Deixei muita coisa pra lembrar nos últimos dias, e acabo que me esqueço, que me lembro apenas de esquecer sem me lembrar de lembrá-las. Talvez por isso. Talvez por tudo que não exista mais ser obrigado há um dia ter existido. Se não, por qualquer coisa parecida, que ao menos dê sensação de que já houve por certo tempo, mesmo que visto daqui pareça quase errado o enquanto de nós dois.

The Build Up – Feist & Kings Of Convenience