quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Elo

Entre nós ninguém diz nada, mas acredita-se, por uma razão lecionada apenas pela gente, que de tudo já se sabe antes mesmo da chave conseguir torcer a fechadura. Qualquer coisa sem limiar, sem chance de ser que não deixar de ser pra ir de assim, de fórmulas ditas, de caminhos que não levam pra lado algum que não o teu lado longe do meu, de perto do nosso. Mínguo tudo que quiser ser cheio, encho teu vazio repleto de pensamentos que só me são quando comigo, mas que ainda assim não nos dão vontade maior que nossa maior vontade na hora do até mais. Pelo visto vai passar o tempo todo de um jeito um pouco diferente, quase sem tempo pra saudade que tinha, que tenho dos teus cabelos prendendo suas mãos meio soltas, meio presas das tuas responsabilidades que só vão embora quando você me sente mais seu do que sou.

O que importa não é a parada, mas esse teu jeito de tornar começo qualquer fim que trilho pro teu perfume no meu dia. Vou me deixando ser levado pelo frio que te anuncia aos meus ombros, teus dentes de sorrisos de canto. Rio da tua vulgaridade em querer que eu embale seus olhos lá pra longe, seus pensamentos pras bandas que deixaram de ir quando amores incondicionais não lhe faziam sentido. Contigo tudo é fácil demais, tudo é certo mesmo sendo errado e contrário. Quem sabe ninguém nunca tenha dito sobre teus detalhes aparentes, passado noites em claro olhando pros teus jeitos que ninam quando encontram meus dedos. Nem por isso sou mais, nem por isso sou menos que a ponte que te leva de volta pra essa saudade que tens vergonha de assumir. Você ainda é, e só sabe ainda ser quando te digo pelos cantos qualquer coisa assim de sol se pondo.

Faço questão que meus fins não coincidam com outros começos, e deixo assim, sem resposta. Ir de encontro me tira a vontade de te esbarrar por qualquer corredor, ver de relance suas costas que me viram de costas pra tudo que não teu cabelo amarrado engraçado, de olhos nos meus olhos te seguindo cá pra perto. Digo daqui que ouço tudo que me diz desse teu outro lado que não conheço, que dispenso por saber que já te sei por inteira; falta a metade pra essa tua vontade que é metade minha, que te é inteira.

É que quando chega de manhã eu quero que tudo vá embora, que me volte só pra de noite quando a falta de sentir falta começar a não faltar. Fica só teu beijo, doce de pamonha que invento pela noite pouco antes de dormir; e como quem tem a folha marcada pela ponta do lápis sem ponta, só sei lembrar que esqueci do que pensei, do que tive da gente quando te ter não era sonho no meu sonho.


Quicksand - Seu Jorge

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Desconstrução

O afago dos meus dedos na tua orelha, indo da minha mão até seu rosto que é destino, se escondendo dos teus olhos por de baixo das tuas roupas novas, finas. Não sei bem o que quero, não sei bem se sei o que fazer das tuas certezas, das tuas vontades sérias que sinto sérias, que sinto como preço pra ter o mesmo que te entrego não tendo nada. Na tua falta de mistério faço novo o caminho dos meus pés, que te levam onde penso ainda quando não sei em quem pensar. E mesmo que soubesse cada vez mais dos teus claros detalhes cor de manso olhar, que eu não ficasse sabendo cada vez mais as coisas que me rolam na cama, nada passaria além desses postes amarelos e doentes que entristecem as calçadas. Tudo assim nesse tom conformado, que não ilumina, que não dá brilho, que vai amarelando mais pro verde que pro cinza.

Foi embora não faz nem tempo. Não me importa a porta ter ficado aberta, o presente ter ficado pra quarta sendo que não ensinamos nossa segunda a inventar terça, nem ficamos sem roupa pra gravar outra mensagem pra nova secretária. Qualquer que pudesse ser o teu motivo sem razão, quis eu que o frio nas minhas costas sem lençol fosse sua sede de madrugada, que os saltos que saltam decididos fossem da vizinha que chega tarde e anda de leve por dentro de tudo que pesadelo, que sonho; que sonho é esse que chega cada vez que saio do travesseiro e volto pro teu peito, que se repete como primeiro dia de mês, como o céu vermelho no meu olhar que só sabe do teu olhar. Aí tu não me escuta, finge de repente que de mim não vive, como se fosse eu qualquer coisa que não você, e sai pro trabalho sem os lábios que deixa em migalhas nas migalhas que tu me torna de manhã, de tarde, de fim de tarde, de quando quer daqui o que te quer de onde quer que seja.

Assim aprendi teus sons. De olhos fechados ia decifrando teu silêncio, sentindo a cor do teu sutiã enquanto se molhava meio vestida, sempre atrasada no nosso relógio adiantado. Eu escutava tanto, sabia tanto que quando você abria a boca já não me dizia nada. Parecia que te saber assim te dispensava daqui, e minha cara de sonho ruim sempre me convencia mais do que te enganava. Penso nas mil palavras que dizem a mesma mentira de outros sons, nas mil gotas que molham e não enchem a garrafa na chuva, e chego aos mil dias que faltam pra que eu comemore mil dias sem que teus passos no corredor tragam sua bolsa jogada na mesa, teu rastro de roupa que vai da porta até meu corpo no sofá, que espera pela gente assim como nossa cama anseia vir antes da cozinha.

Ficam pra ti as coisas que viu, que ainda se lembra. Não faço força pra deixar de te deixar qualquer coisa, nem mesmo consigo pensar em nada que faríamos questão de ter que não um ao outro. Vou cruzar os dedos e torcer pra que você esqueça as palavras, como quem deixa os óculos limpos em cima do criado mudo. Mais que isso, que as arrume nessa tua ordem que deu sentido pra minha vida por tanto tempo, e que o lampejo de conferir tuas passagens pro fim de semana te faça esquecê-las por aqui. Vou fingir que não vi, levantar uns dias depois, e só quando todas já estiverem quase com um pouco de pó, pegarei teu recalque, teu sorriso, tua mágoa..., pra assim deixá-las em qualquer canto enquanto fica o superar por superar. Não coube a nós dois, e na verdade sobrou você. Faltou de mim, mesmo que sempre ao lado, separado. Se parado qualquer dia desses te encontrar, te pergunto se descobriu o que foi que houve. Com quem foi que houve aquela coisa de se importar?, que fim isso levou, que fim levou o teu fim de semana que não leva fim e que não me leva junto de jeito nenhum.

Faço força e não lembro mais de quase nada. Tô meio atrasado. Deixei muita coisa pra lembrar nos últimos dias, e acabo que me esqueço, que me lembro apenas de esquecer sem me lembrar de lembrá-las. Talvez por isso. Talvez por tudo que não exista mais ser obrigado há um dia ter existido. Se não, por qualquer coisa parecida, que ao menos dê sensação de que já houve por certo tempo, mesmo que visto daqui pareça quase errado o enquanto de nós dois.

The Build Up – Feist & Kings Of Convenience