Não tem muito que ficar lembrando, já que não tem nem pouco. Não houve, você não ouve. O que incomoda no banho é a falta do que pensar. Talvez tenha todos os motivos do mundo pra me demorar ali de baixo com a água gelada na nuca, mas acabo sem saber de nada, sem motivos, sem roupa e de toalha fazendo desenho no embaçado do espelho, limpando aos poucos pra ver se ali atrás acho alguma coisa pra lembrar, pra fazer desta coisa qualquer falta pra mim e pra ninguém mais. Acabo no costume de ter sido sempre o mesmo, de ter feito sempre coisas iguais intercalando as mesmas pessoas em uma ordem conhecida. Não se muda assim. Não vou me enganar pra não correr o risco de ver teus olhos baixos qualquer dia destes, pra não ter que explicar todas as minhas risadas pro teu sorriso curioso de voz desafinada.
Foi tempo, é momento. De repente não tenho mais as horas certas no tudo que me era certo, e vai ficando tudo por aí. Volto no que dá, e me seguro te segurando pra ver se assim vejo os olhos abertos de atitudes fechadas, os por de todos os quês juntos ou separados; pra ver de uma vez por todas que assim não deu, que ser único mais de uma vez não é ser mais do que comum, ser como um qualquer.
Até que foi, mesmo que o até seja o tênis apertado, a parte amarga da melancia. Ausente assim é quem eu conheço faz tanto tempo, ainda que não saiba quanto tempo faz. Esgotei teus detalhes por não saber nada de novo. Cá dentro? Ah, se soubesse de cá de dentro... Tua surpresa não seria não ser você, muito menos não serem os meus detalhes as coisas a serem detalhes. Seria você tão de perto que meu eu iria lá pra longe, lá pra perto de onde imagino ser teu repouso, teu refúgio quando até as coisas que não fazem sentido resolvem se resolver pela contramão. Por fim diferente por não ter o peso que todo o resto teve, por não ter vontade de ser nada que não continuar o que ainda será mesmo que não mais sejamos.
Depois disso me visto, e ainda de costas molhadas sento no primeiro sofá que aparecer pela minha sala. Mais inspiro do que solto, e percebo ser assim tudo que me cerca de dentro pra fora. Penso em parar por um tempo, deixar tudo voltar pro sentido que tinha antes; mas não vou. Vou é ficar por aqui, bem perto daí. Quem sabe assim.
‘’E se ela morrer, por mim podem fechar este espetáculo que é o mundo. Podem desmontá-lo, retirar as estrelas, enrolar o céu e meter num caminhão. Podem desligar o sol, belíssimo sol que eu gosto tanto, tanto. Você sabe por que eu gosto tanto? Porque a amo quando o sol brilha nela. Podem levar tudo: os carpetes, colunas, esta casa, areia, vento, sapos, as melancias, a saraiva, as 7 da manhã, maio, junho, julho, o basílico, as abelhas, o mar, o alho..., o alho’’.
O Tigre e a Neve – Roberto Benigni