Você tomou as duas cervejas de sempre. Deixou tua fila ébria de garrafas vazias ao lado do sofá, que te fazem tanto sentido quanto a desordem ordenada dos meus sapatos, calçados um a um nos pés parados do guarda roupa. O desgosto que sente quando goza é a confusão das minhas mãos fechando tua camisa em mim pela manhã, tropeçando nos cacos da tua ressaca que ainda será nossa amante por tantos e tantos anos. Sempre quis ter essas janelas da altura do pé direito, ter a falsa liberdade de um suicídio instantâneo a qualquer momento, gravado apenas pelos olhos cerrados do cara do prédio da frente. Ele bem sabe que eu sei que me olha, bem sabe que eu me deixo ser vista nestes sábados nublados, com meus cigarros de fora e pernas acesas. Lá de longe mal vê meus olhos, mal sabe como fica transparente em mim esse linho branco; sei que gosta de imaginar, de me imaginar imaginando o jeito que desenho o turvo do teu rosto distante.
Culpa das músicas de voz e violão, de guitarra leve acompanhada das minhas bebidas vermelhas de doce forte. Fui exposta a tudo isso muito cedo, me deram de ler sem chance de escolha umas linhas traçadas demais pros meus alvos pensamentos. Fiquei assim, fiz tudo que não era ser pros meus olhos vastos; claros de tanto esperar tantos no meu apartamento com cara de sábado nublado. Vou deixando esse meu jeito por todas minhas xícaras, meus chás de gostos engraçados. O simples mente toda essa simplicidade. É confuso, não me acostumo com o fuso dos meus sentimentos que acordam quando durmo, que dormem quando você me acorda com o susto que já foi arrepio; mas não culpo os mesmos por serem o mesmo, por não terem me feito inveja dos seus passos lentos de conformados.
Nessas horas encho minhas mãos com meus braços, meus braços de meus abraços. Minha cabeça vazia da música de ontem à noite, minha saudade de repente do meu repente. Tudo repentino. Preciso que tudo seja repentino, mesmo estes dois últimos anos. Mas a semana já começa devagar, quase sem tempo de terminar. Faço minhas contas, nos dou a conta sem que haja troco algum pra qualquer um de nós.
Termino tudo daqui, cinco ou dez minutos antes de levantar pra fazer teu café. Pro armário da cozinha fico na ponta dos pés, lembro do cheiro da tua caneca e já não acho pires meu que te combine. Tanto faz. Das quatro colheres vejo que pouco fiz no coador, e minha curiosidade de saber como é que a água esquenta tão rápido era a mesma de dentro do teu carro velho com cheiro de velho. Já você acorda, acorda junto o mundo com teu berro de bom dia, e bate os pés com força no caminho até o banheiro pra saber se lembra de algum sonho; se lembra de rir pra tua graça de me trocar o nome por algum outro de sotaque estranho. Sim, tu já vai vir. Se não vir eu vou, te puxo a coberta pra te puxar o pijama, pra tu me puxar pra ti e me puxar de uma vez de mim; me tirar da tua camisa amassada, do sofá virado pro prédio verde da frente.