E que tivesse lhe pulado aos olhos antes, já que aceitar o tempo do tempo, já que aceitar o tempo de sua pequena, nunca será item da lista que ouvirá compadecido e de cabeça baixa em um dos seus paraísos. Poupa os adjetivos e a boa vontade de quem ainda é alvo de seus tiros escritos, e diz apenas que tudo se encaixou, que ninguém tem culpa e nem haverá de ter queixa registrada em cartório de confidências como responsável por tudo. Da injustiça que sente ao ver o que percebe, acha errado não haver cartório para os beijos nada românticos, delegacia para a mágica de terem sido um contra a parede, e de nuca de costas pro chão, reivindica os bons momentos que normalmente chegam mais quietos do que quando se vão. Se pudesse apenas deixar tudo passar, se cobraria com a mesma inocência de quem esconde a chave no bolso de trás, prendendo o que ainda não sabe nem para onde precisa ir.
Dá risada quando percebe que o tempo não abre mão das coisas acontecerem pelo próprio relógio, e sente que, mais do que nunca, o vazio de uma ausência premeditada realmente deixa um que que não se sabe. Ela conhece seus medos, sabe que foi e continuará sendo o repouso pra tudo que só chega quando a única cama acesa é a de dois travesseiros; mas não pode fazer nada, não pode deixá-la ao lado se atrás da porta que encara tiver espaço só pra um, ou se o que tiver atrás da porta for mais do que fica escondido atrás do espelho. Não sabe, e se não saber fosse realmente o melhor, desligaria a cabeça, sentaria na primeira escadaria que visse, e voltaria pra sua antiga metade.
Só quer que ela respeite sua leveza, que respeite a calma que há muito tempo não vinha embalada pelas músicas que chegam com outra cara. Não é de todo mal meu amor, diria ele se roubassem sua consciência por alguns minutos e pudesse colocar aqueles cabelos pretos por de trás das orelhas nada inocentes. Não é de todo mal, e se pudesse vê-la sofrer todos os dias – diria ele – sentir em forma de arrepio cada suspiro que o vazio de agora lhe provoca nas costas, sentaria na primeira fila e pediria pro operador do cinema fechar bem nos olhos. Só não é de todo mal, não é de vingança ou do egoísmo que levou culpa por todas as coisas que não soube lhe dizer. Não é de todo mal, você sabe que não é, e me perdoa se te ver mal consegue me derrubar; me perdoa se me derrubar é o mais perto de ser justo nessa história toda, fazer o vazio que sinto em você ser compatível com a raiva que sinto de mim. Não é de todo mal meu amor, não é de toda insensatez que ainda quero te olhar por muito tempo.
Diria ele nada destas coisas. Se o momento que a luz da explicação é claridade na escuridão, tem medo que o clarão da verdade lhe deixe cego de uma vez por todas das coisas pela qual ainda se sente responsável. Se ainda se lembra de todas as promessas que fez, do gosto que as coisas de verdade deixam nas lembranças que de forma alguma chegam sem risada ou arrepio, é porque sorri e se sente o maior sincero diante das verdades que viveu junto dela. Se pudesse não ser a única mão a tentar desfazer os laços dados com tanta precisão, escreveria agora para dois olhos que não precisariam de tempo pra entender tais palavras, pra caninos que não precisariam de tempo pra voltar a sorrir sem a dor do que passou.
Diria ele, claro que diria ele que o tom de fim que dá nas coisas não significa ponto final. Acredita que no fundo ela entende tudo, que subestimar risadas infantis e pensamentos mansos foi necessidade de surpreender-se com quem jamais foi apenas uma; mas se as dores não são iguais, talvez também seja injusto querer cobrar as mesmas certezas, cobrar a mesma percepção para um mesmo caso com tantos olhares diferentes. E por saber as coisas que diria, provavelmente se calará pro mundo de fora na primeira oportunidade que tiver. Receberá no silêncio profundo os primeiros olhares tristes, e desconfiará que as risadas, que a princípio saíram cheias de orgulho e vaidade, doeram bem mais por não serem mais irmãs de todas as outras que um dia sussurraram ao tênis do seu ouvido.
Não foi só pra mim, diria ele entre sorrisos e lágrimas, e se pudesse levaria de ti toda e qualquer lembrança boa que possa um dia, quem sabe, lembrar de todas as lágrimas, de todas as traições, de todas as coisas que lhe fizeram buscar no amor incondicional motivo pra não dar fim. Talvez até gritaria a graça que sente em não se sentir responsável pela tua dor, faria figa com o braço esquerdo pra trás do corpo se assim, sob um céu cinza ou azul, o acaso resolvesse intervir no que passou e jogar o peso de lembrar-se de tudo que é bom para os já quase escassos cachos. Encheria o chafariz de hora marcada com preces para que os primeiros olhos que por este texto passassem fossem solteiros de dor, singulares de mágoas, únicos de alguma coisa sem explicação.
Não dirá nada disso na bem da verdade, e talvez duvidar que o acaso realmente queira ajudar possa ser uma espécie de provocação. Se fosse tudo fácil, dizer que os dois não precisavam daquilo seria extremo, e não banal e repetitivo. De qualquer forma, se pergunta como dar fim ao que ainda pulsa, ao que ainda é razão de existência para os próximos difíceis olhares trocados. Não sei o que fazer, dirá ele na primeira oportunidade, e depois de se certificar que tudo está bem, que as coisas não saíram do jeito que ela pensava quando pediu prazo, não saberá o que sentir, o que pensar, o que por no ouvido pra fazer piorar o que é justo para toda a injustiça que demorará pra fazer sentido.
Diria que não sobra nada, porque do que se é inteiro a sobra não existe. Quando se perguntar o porquê de valorizar tanto, o porquê de insistir que tudo foi de verdade, será justo; vai dizer que até as partes ruins foram de verdade, foram sinceras. E pedir vai ser luxo, vai ser inerte frente ao silêncio que não vai vir, à calma que vai ficar por entre as linhas junto de tudo que diria ele. Na bem da verdade, a culpa é minha até quando não quero estar errado nos meus erros, e se te pede pra entender o que ele ainda não consegue, é na esperança de continuar lhe vendo como mais do que teu desenho nos meus olhos fechados.