quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Seu Zé

Seu Zé, homem sensato e quase sem tato por culpa da cal virgem. Era exemplo de filho prematuro, pai desavisado, avô surpreendido, e de trabalhador brasileiro; passava o aniversário em casa e sozinho só pra deixar mais para os outros. Ô seu Zé, que saudade que você sente...

E quando muleque desapegado de sonhos, queria mesmo bater laje dia de domingo pra depois, lá no boteco da esquina, lixar os tacos e as cartas com as mãos pretas mais pálidas que assombração de dia santo. É seu Zé, você não queria muito da vida mesmo, mas via no seu pouco bem mais do que muita gente nessa favela cheia de Deus e de pecado inocente. Gostava mesmo de chamar a loira de Pretinha quando ela lavava roupa no tanque, e beijava aquele pescoço com cheiro de alvejante com tanto amor que o cinco do tal do Chanel ficava pra lá do negativo.

Já homem moço ficou doente, e lhe despertava por inteiro quando a certeza sussurrava em seu ouvido que casado ou amontoado, filho ou saudoso, não seria mais só. Naquele morro de um tal de Craque que não jogava bola, e de uma certa HIV que não se lia ‘’riv’’, seu Zé ficou justamente doente de samba; e não houve de haver e muito menos haverá de ter carnaval ou sexta-feira que lhe tire o choro do alma, que lhe seque a lágrima da voz rouca ou que lhe tire olhos do chão. É seu Zé, se o cavaco soubesse que ninguém nunca o fará chorar tanto quanto o senhor, se escondia dentro das cordas e começava a rezar pro violão não entrar em desespero.

Seu Zé, seu Zé! O que foi que a vida fez com senhor? Ou melhor, o que é que o senhor fez com a vida? Essa ingrata que mais tirou do que não deu, não merecia tua honestidade, tua inocência, tua inteligência sem diploma que vale mais do que toda uma parede de advogado velho; é seu Zé, me irrita e me faz sorrir quando penso que você não sabe de nada disso, muito menos imagina que não é preciso esperar nascer pra saber se é mesmo bacuri.

Seu Zé vai levando sem ser triste, e só não sorri porque sua mãe foi mais uma professora de vida que desaprendeu, por culpa da dura realidade, aquela matéria chamada amor. Mas ele não fica chateado, não fica triste; na vida só sente falta da alguma, porque essa foi a única coisa que ganhou sem precisar pedir. Coisa alguma, coisa alguma...

Ô seu Zé, queria mesmo era ser igual o senhor sabia? Não sorrir e não ser triste, não ter e não se dar conta, não ansiar o amanhã por só ter tempo de erguer muro e carregar cimento. É seu Zé, dentre todos que tem raiva da vida, você é o único que a deixa com raiva. E deixar assim é o que vai acontecer: a vida castigando com mais sol do que sombra, com mais fome do que comida; e o seu Zé? Seu Zé vai rindo sem sorrir, ignorando a única que eu nunca vou conseguir ignorar.