não vou dizer que agora tudo faz sentido, e que todas as minhas dificuldades tenham sido construtivas ao longo de tudo que passei; mas vou dizer que estou bem, e tudo que digo agora é tudo que sempre quis dizer.
não faz muito tempo que ela passou por mim, e sorrindo pra minha orelha me beija o pescoço e bate os chinelos devagar pra não derramar o seu chá. eu grito que trabalho ou grito que já vou, nem sei mais; mas aqui eu mais apago do que escrevo. me sinto bem. e quando me sinto bem assim, penso que só quis escrever como profissão pra tentar sentir isso toda hora, em todo fato.
as dúvidas ainda são as mesmas, e por mais que o tempo passe ainda não sei quais são. acho que pouca coisa mudou, porque quando me elogiam ainda rio sem graça desmentindo, enquanto meu ego confirma tudo pra si e me proporciona mais bons momentos enquanto lembro, rio e dirijo. aquela coisa de ouvir uma música, ler um livro ou fala de filme que te lembra de alguma coisa, ainda acontece; até parei de escutar músicas, porque quando se mora com alguém, ficar sentado com uma cerveja e no mundo da lua gera greve de sexo e brigas incessantes. ela grita, bate o pé e quebra a minha xícara de jornalista, mas você sorri por dentro e continua naquela paz de espírito que aquela melodia te dá. acho que minha traição foi resultado dessas brigas, tanto que um dia cheguei em casa mais cedo e lá estava ela: música baixa, cinzeiro cheio, sentada no chão com a cabeça na parede e o olhar lá na puta que pariu. ela levantou, os olhos tentaram mas não fizeram seu olhar voltar; dormiu sem se mexer e acordou sorrindo, pra mim. continuo querendo poder saber o que os olhares olham quando vão pra longe.
comprei meus óculos, e agora me sinto completo. os livros são mais livros quando lidos com óculos, e devo fazer sucesso quando respiro fundo e os arrumo enquanto releio tudo pra escrever o parágrafo final. por falar nisso, ainda respiro fundo freqüentemente. são raros os dias em que não lembro disso, e foi única a noite em que respirar fundo não antecedeu algum sonho. enquanto conhecia ela pela primeira vez, desconfiamos que eu já possa ter sido o seu pai, ou um tio bem coruja.
me chamou, queria que eu pegasse um par de meias que estava no varal. ela nunca vai saber como fica linda quando pega meu travesseiro pra apoiar as costas, deixa o cabelo preto bem preso com aqueles palitinhos, e sorri quando troca a página olhando pra mim. sorri de novo quando pensa que sabe o que penso, e eu faço força pra achar cada vez mais linda aquela cena. principalmente nos dias que uma alça da camisola cai no seu braço, e nas noites em que as duas vão ao pé da cama.
os domingos são normais, já que ainda vou aos jogos e ela (ainda?) alimenta suas velhas amizades. e é praxe eu chegar e pegar o violão pra tocar as mesmas músicas que tocava quando sonhava em tocar samba. as vezes ela senta na minha frente, trás 2 taças com o vinho que leu em algum lugar ser bom, e mesmo que queira deixar seu olhar ir embora, faço força e converso por pura obrigação. ela quase sempre levanta e vem sorrindo quando digo que violão atrai mulher, e não se faz de difícil quando sorri de boca aberta e pergunta se vou ficar segurando o violão por muito tempo. sempre dá certo. sempre é bom.
insisto em afirmar ''te ligo mesmo!'', quando não consigo fingir que não conheço um antigo conhecido que cruza comigo no shopping. não acho falsidade e nem coisa de curitibano, mas as vezes todo mundo é assim, todo é mundo é quieto.
ela chamou de novo, naquele tom que me faz amar ela pra sempre. aliás, o ''pra sempre'' até hoje é tabu, e o ''que seja eterno enquanto dure'' ainda é a resposta de muita coisa que a primeiro momento é só estranho, mas que já se sabe o final. eu ainda salvo em uma pastinha entre minhas músicas, pra um dia ler tudo em uma paulada só. também só faço isso, ainda, quando as coisas vão mal, e aquela pontinha de ''é'' (conformado) já está no ar. mas agora não me importa, e talvez eu tenha ouvido todas as músicas que ouvi e escrito todas as coisas que li em algum lugar, só pra poder dizer que ''agora nada me importa''. eu não penso em nada, não consigo pensar em nada. eu desligo as coisas e ainda tranco duas vezes a porta tentando saber porque as coisas continuam tão iguais. porque ela ainda é tão igual quando me deixa ler o que quer de mim no seu olhar enquanto sorri com o óculos na boca.
a noite acontece com a violência dos anjos, e com o carinho do desejo. ela rouba meu sorriso com um beijo, e sei que vai demorar muito pra isso tudo acontecer de novo.