sexta-feira, 24 de julho de 2009

Parabéns

eu costumava ir até lá com meu pai até ter uns 13 anos. não lembro se já soube porque começou a aparecer mais do que regularmente naquele bar de frente pra praça, mas era quase certa minha companhia. eu gostava daquele lugar, e principalmente de ver o Ivo quebrar uns pedacinhos de gelo com um martelo pra por no meu copo de groselha ou na caipirinha de algum senhor que cheirava a cigarro.

tinha pessoas de todo o jeito por lá e eu gostava de todos, e acho muito difícil que alguém não fosse com minha cara; indiferente pode ter havido um ou outro, mas no mais aposto que gostavam de mim. pra falar a verdade, tinha um senhor muito sisudo - se não me engano era mecânico como meu pai - que eu não gostava muito. ele nunca sentava; ficava vezes na ponta esquerda e vezes no meio do balcão, mas sempre com uma perna apoiando o corpo enquanto a outra esperava a irmã cansar. não que só ele fumasse, mas se havia cheiro de cigarro naquele bar, boa parte era culpa dele. talvez eu só tenha reparado nele pelo jeito engraçado que fumava, já que antes tomava um trago de alguma coisa escura num copo de cachaça, fazia careta e começava uma frase cerrando os olhos e olhando pros quadros de futebol que ficavam na parede em frente ao balcão; finalmente levava o cigarro entre o indicador e o médio direito à boca, puxava forte inclinando a cabeça pra trás e tragava com o prazer de ver sua paixão tirar a roupa depois de 10 anos longe de casa. enquanto segurava a fumaça, mexia o pescoço de um jeito engraçado, acho que um tique nervoso. nunca ri, mas sempre que me pegava olhando sabia que, antes da próxima tragada, ia usar sua frase pra me chamar de pivete ou enxerido.

hoje, com um pouco mais de maldade - digo, experiência - , penso ter sido mimado por tantos senhores naquele bar por ser uma espécie de ''segunda chance de fazer certo à qualquer criança o que tão grave erraram com seus filhos.'' ganhei vários sorvetes depois de dizer que era atleticano e ter balançado os pés sem jeito olhando pro chão (sempre funcionava!); e algumas cocas de outros que, na época, pareciam pra mim só querer alguém tentando achar palavras entre um bafo de todas as bebidas e um sentimento entre várias caras feias. admito que nunca consegui, mas se nunca deixei de ganhar a coca, ao menos fui convincente.

o mesmo Ivo que quebrava gelos e ria de ver como eu fugia dos pedacinhos, foi um dos melhores amigos que tive até hoje. não só porque me ensinou a cobrar por metro e não por dose, ou por várias vezes ter pedido pra eu colocar 3 copinhos de amendoim no pacote ao invés dos 2 anotados, mas porque realmente me ouvia e realmente me fazia querer saber mais que tudo o que iria falar. eu não entendia muito bem porque não morava mais com a mulher, mas gostava de ver como sorria quando falava: ''meu piá deve ser da sua idade, uns 2 ou 3 anos mais velho, mas da sua idade sabe? comprei um computador pra ele esses tempos e o fia da puta só sabe jogar agora... semana que vem aí e vocês jogam uma sinuquinha.'' ele me deve ter dito essa frase mais de 10 vezes, mas poucas foram as que realmente vi seu ''piá''; ele realmente era uns 2 ou 3 anos mais velho e não saía do computador. eu ficava irritado quando ficávamos até mais tarde no bar só pra deixar o Ivo em casa, queria ir embora. muitos foram os dias em que eu quis ir pra casa mais cedo, e é certo dizer que quanto mais velho ficava, mais comuns eram estes dias. se não disse, o Ivo ao menos pensou em me dizer pra sempre ser humilde na vida. se eu não sou, ao menos lembro que ele um dia pode ter me falado.

sinto sua falta Ivo.

pra quem já leu alguma história sobre Rollmops, vá pro próximo parágrafo que não vai perder muita coisa.

aquela coisa que fica em um vidro escuro, e que parece um arame preso por um palito ao redor de um olho, na verdade é uma cebola enrolada por uma tira de sardinha (ao menos parece). leitor Rollmops, Rollmops leitor. um dia, perguntei pela décima vez ao meu pai o que era, e sempre de bom humor me respondeu que se eu quisesse saber, precisaria pedir um. pela décima vez ri e fiz cara de bunda, mas quando virei pro Ivo, pela primeira vez vi ele pegar aquela pote escuro, tirar uma coisa que mais parecia escorrer do que pingar, e colocar em um prato na minha frente. todo mundo em volta riu, até meu pai, e fiquei meio envergonhado. mesmo assim resolvi encarar, e depois de tirar o palito e deixar o pedaço de peixe estirado no prato, comi aquela cebola roxa pedaço por pedaço (quero dizer gole de coca por gole de coca) querendo mostrar pra todo mundo que gostava de cebola e chorava apenas por prazer. quando acabei e me virei orgulhoso todo mundo conversava, e meu pai fez um ''aham'' enquanto discutia algo com alguém. mastigando ao meu ouvido, o seu Valdir diz: ''sou mais velho então eu posso, né?''. devo ter arrotado cebola uma semana pra ver um velho comer a sardinha do meu Rollmops? admito, novamente, que na hora não me pareceu muito justo. até pensei em pedir outro, mas as pessoas começavam a se afastar de mim. nunca mais comi Rollmops.

seu Valdir era um senhor que morava bem perto do bar e fumava um cigarro comprido de embalagem azul. ele sempre me pedia para ir até o balcão comprar, porque estava ocupado demais sentado na porta do bar com um copo de caipirinha e a barriga esticada sobre o saco. sinto falta do seu Valdir, acho que foi como um vô pra mim. sinto mesmo falta do seu Valdir.

eu cresci nesse bar e me orgulho muito disso, porque lá vi que existem pessoas muito boas (com exceção dos dias de domingos. aquele bar ficava entupido e sempre haviam mais crianças pra me tirar de cima da geladeira e escolher algum sorvete que, por direito, deveria ser meu. além de uma senhora com a cara meio puxada que ficava pedindo dinheiro pra comprar um frango com farofa. não entendia porque todos pagavam mas só ela comia...); e me orgulho disso porque conheci meu pai lá dentro de uma forma que nunca teria conhecido: vi ele ser legal me explicando tudo que perguntava mais de uma vez, vi ele aumentar histórias e inventar diálogos quando bebia um pouco a mais, vi ele ser sincero e quase chorar quando disse pra alguém que entre mim e meu irmão eu fui o que tive menos por acasos da vida. vi meu pai sendo mais pai do os outros pais que nem os filhos levavam ao bar.

a pouco tempo atrás saí com meu pai pra jantar com alguns amigos do antigo bar; todo mundo envelheceu, eu envelheci. não sei se teria coragem de ir outra vez no bar que fica em frente a praça e ver que as cadeiras ainda tem acento verde e ficam embaixo do balcão, mas meus pés agora ficam apoiados no chão e não suspensos no ar; saber que boa parte das pessoas que iam por lá ou já morreram ou se mudaram pra algum lugar perto do céu; ter que fazer novos amigos, e enquanto não me acostumar, ficar lembrando de como era bom quando o Ivo ria descaradamente de alguma coisa que eu falava.

é difícil aceitar que as coisas mudam e que alguns vão embora. queria mesmo um dia poder sair com meu pai e com o filho dele de alguns anos atrás, ver como era andar de mãos dadas e sorrindo pra tudo quando fosse bobeira. muitos dizem que se precisa de pouco pra ser feliz, mas eu preciso de mais. eu preciso voltar oito anos, andar cinco minutos de carro, comprar duas cervejas e duas cocas; paro no tempo, puxo uma cadeira na porta daquele bar e fico ali, olhando pro meu pai com sua cara de despreocupado, e pra mim querendo saber o que vou ser quando crescer.


Parabéns Pai.

domingo, 12 de julho de 2009

Resumo

não vou dizer que agora tudo faz sentido, e que todas as minhas dificuldades tenham sido construtivas ao longo de tudo que passei; mas vou dizer que estou bem, e tudo que digo agora é tudo que sempre quis dizer.

não faz muito tempo que ela passou por mim, e sorrindo pra minha orelha me beija o pescoço e bate os chinelos devagar pra não derramar o seu chá. eu grito que trabalho ou grito que já vou, nem sei mais; mas aqui eu mais apago do que escrevo. me sinto bem. e quando me sinto bem assim, penso que só quis escrever como profissão pra tentar sentir isso toda hora, em todo fato.

as dúvidas ainda são as mesmas, e por mais que o tempo passe ainda não sei quais são. acho que pouca coisa mudou, porque quando me elogiam ainda rio sem graça desmentindo, enquanto meu ego confirma tudo pra si e me proporciona mais bons momentos enquanto lembro, rio e dirijo. aquela coisa de ouvir uma música, ler um livro ou fala de filme que te lembra de alguma coisa, ainda acontece; até parei de escutar músicas, porque quando se mora com alguém, ficar sentado com uma cerveja e no mundo da lua gera greve de sexo e brigas incessantes. ela grita, bate o pé e quebra a minha xícara de jornalista, mas você sorri por dentro e continua naquela paz de espírito que aquela melodia te dá. acho que minha traição foi resultado dessas brigas, tanto que um dia cheguei em casa mais cedo e lá estava ela: música baixa, cinzeiro cheio, sentada no chão com a cabeça na parede e o olhar lá na puta que pariu. ela levantou, os olhos tentaram mas não fizeram seu olhar voltar; dormiu sem se mexer e acordou sorrindo, pra mim. continuo querendo poder saber o que os olhares olham quando vão pra longe.

comprei meus óculos, e agora me sinto completo. os livros são mais livros quando lidos com óculos, e devo fazer sucesso quando respiro fundo e os arrumo enquanto releio tudo pra escrever o parágrafo final. por falar nisso, ainda respiro fundo freqüentemente. são raros os dias em que não lembro disso, e foi única a noite em que respirar fundo não antecedeu algum sonho. enquanto conhecia ela pela primeira vez, desconfiamos que eu já possa ter sido o seu pai, ou um tio bem coruja.

me chamou, queria que eu pegasse um par de meias que estava no varal. ela nunca vai saber como fica linda quando pega meu travesseiro pra apoiar as costas, deixa o cabelo preto bem preso com aqueles palitinhos, e sorri quando troca a página olhando pra mim. sorri de novo quando pensa que sabe o que penso, e eu faço força pra achar cada vez mais linda aquela cena. principalmente nos dias que uma alça da camisola cai no seu braço, e nas noites em que as duas vão ao pé da cama.

os domingos são normais, já que ainda vou aos jogos e ela (ainda?) alimenta suas velhas amizades. e é praxe eu chegar e pegar o violão pra tocar as mesmas músicas que tocava quando sonhava em tocar samba. as vezes ela senta na minha frente, trás 2 taças com o vinho que leu em algum lugar ser bom, e mesmo que queira deixar seu olhar ir embora, faço força e converso por pura obrigação. ela quase sempre levanta e vem sorrindo quando digo que violão atrai mulher, e não se faz de difícil quando sorri de boca aberta e pergunta se vou ficar segurando o violão por muito tempo. sempre dá certo. sempre é bom.

insisto em afirmar ''te ligo mesmo!'', quando não consigo fingir que não conheço um antigo conhecido que cruza comigo no shopping. não acho falsidade e nem coisa de curitibano, mas as vezes todo mundo é assim, todo é mundo é quieto.

ela chamou de novo, naquele tom que me faz amar ela pra sempre. aliás, o ''pra sempre'' até hoje é tabu, e o ''que seja eterno enquanto dure'' ainda é a resposta de muita coisa que a primeiro momento é só estranho, mas que já se sabe o final. eu ainda salvo em uma pastinha entre minhas músicas, pra um dia ler tudo em uma paulada só. também só faço isso, ainda, quando as coisas vão mal, e aquela pontinha de ''é'' (conformado) já está no ar. mas agora não me importa, e talvez eu tenha ouvido todas as músicas que ouvi e escrito todas as coisas que li em algum lugar, só pra poder dizer que ''agora nada me importa''. eu não penso em nada, não consigo pensar em nada. eu desligo as coisas e ainda tranco duas vezes a porta tentando saber porque as coisas continuam tão iguais. porque ela ainda é tão igual quando me deixa ler o que quer de mim no seu olhar enquanto sorri com o óculos na boca.

a noite acontece com a violência dos anjos, e com o carinho do desejo. ela rouba meu sorriso com um beijo, e sei que vai demorar muito pra isso tudo acontecer de novo.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Decolando

quanto mais as coisas vão se ajeitando. quanto mais músicas você vai ouvindo, e quanto mais livros vai lendo ou colocando na lista dos próximos. quanto mais você acha que podia perder uns quilos. quanto mais se espelha em alguém e quanto mais vê os filmes que só seu professor diz serem maravilhosos. quanto mais acha que o que ouve poderia mudar o mundo, e principalmente, quanto mais perde as chances de ficar quieto. quanto mais ''lato, bato e um gato mordo'' em segredo. quanto mais se arrepende de ter ido puxar assunto com ela e estragado o amor platônico.

é.

quanto mais você acha que seus problemas são os mesmos dos caras barbudos de antigamente. quanto mais acha que as suas dúvidas são as mesmas dúvidas do mundo, e quanto mais tem certeza que as suas são as únicas sem resposta; quanto mais acha que as suas são as únicas que não conseguem ser explicadas. quanto mais consegue achar uma pontinha de explicação na música do cara que fuma a uns 20 anos. quanto mais ''sei lá! olha o tempo que eu quis cantar você'' resolve fazer sentido dia sim, dia não. quanto mais ''ainda te quero muito tempo ao meu lado'' soe bonito pra qualquer um que resolva cantar pra qualquer pessoa que hipoteticamente sinta algo pelo qualquer um.

não leva a muitos lugares fazer estas coisas, pelo menos não agora. mas é melhor do que tentar se concentrar nas tardes em que resolve acertar a vida, traçar novos rumos ou pensar nas coisas que estão acontecendo.

é, realmente é muito melhor.


''E agora espero todo tempo não calado

faço ainda um comtato, ainda volto pro normal.''

Extromodos - Um Comtato