quinta-feira, 4 de março de 2010

Imperatriz

E ele pulava os degraus de três em três, de pés trocados; fazia questão de que o pé direito, quadriculado e sujo de tinta, fosse o único resquício que o desavisado recém chegado do prédio pudesse ver com o canto do canto do olho. Fechava a porta, não era daqueles que apoiava as costas e soltava o ar na esperança de sentir a campainha tocar. Sempre queria chegar mais rápido, sempre sonhava com um cronômetro em sua porta que o premiaria pelo menor tempo entre todos os tempos que perderam seu tempo descobrindo quem era o mais rápido, quem era estranho o bastante para ter as mesmas manias estranhas que ele.

Não queria aceitar mais nenhuma condição, mas a idéia de fazer coisas que talvez nunca façam sentido, que talvez nunca sejam destinadas às verdadeiras influências, era realmente mais forte que qualquer sorriso amarelo manga e meigo. E se não tinha nada nem ninguém pra que sua cabeça assentisse, só subia de três em três pra fazer valer a chave do bolso e a luz da sala, pra encarar logo o medo que tinha da própria cama e de seus dois travesseiros empilhados.

Se ela soubesse, não seria diferente. Os personagens não mudariam, o cenário seria completamente o mesmo, e a dúvida viria em forma de qualquer coisa inexplicável por muito tempo. Na bem da verdade, ele escreve tudo imaginando o dia que um par qualquer de olhos castanhos o indague por todas as coisas que não disse, por todas as coisas que não escreveu e muito menos telefonou por excesso de coragem; ele queria mesmo que arrancassem sua máscara daquela mesma velha maneira que anseia tirar aquelas roupas, aquelas dores, aquelas vontades.

Então corria. Imaginava uma grama não tão verde com seus carros plantados entre as árvores estacionadas, abria os braços e fechava os olhos na esperança de ouvir em seus passos a música que sempre quis inventar. Perdia o fôlego só pra ver o porquê de não se apegar nas coisas que levou uma vida toda pra achar, só pra tirar da cabeça o arrependimento de ter deixado na xícara um dedo preto e gelado de café; só pra ter a mesma responsabilidade que o muleque dono da bola, enquanto vai descrevendo os olhares sem sincronia que ainda estarão por vir.


''Sei que não há nada a esconder,

que tudo agora é tão natural.

E o tempo sempre espera o depois;

as vezes devagar vou ver o sol.''

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